Consumir leite e seus derivados, tais como queijos, manteiga, iogurte e requeijão, sempre foi entendido como um hábito dietético saudável, afinal de contas somos mamíferos e parece ser uma simples questão de bom senso, pois os laticínios estão na pirâmide alimentar desde sempre.
Entretanto, nos últimos anos o consumo de leite e derivados começou a cair em descrédito, muito em função de artigos e declarações de alguns médicos e nutricionistas que mencionam o risco de alergias, desenvolvimento de intolerância à lactose (que é o açúcar presente no leite) e risco relacionado aos conservantes em leites processados.
Alguns profissionais, inclusive, sugerem retirar o leite da dieta alegando que a lactose encontrada no mesmo estaria relacionada ao ganho de peso. Certos jargões como “dieta livre de lactose e glúten para emagrecer” e “nenhum mamífero, exceto humanos, consome leite na vida adulta”, criaram raízes tão fortes no subconsciente de algumas pessoas, ao ponto de muitos abandonarem por completo o consumo de laticínios.
Mas o que é real e o que é mito quanto ao risco de se consumir leite?
É fato que nem todos podem consumir leite e derivados sem ter algum tipo de prejuízo à saúde. O exemplo mais dramático talvez seja dos casos de Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV). Nesta situação clínica, mais frequente em crianças pequenas, o sistema imunológico do indivíduo desenvolve uma reação de hipersensibilidade quando entra em contato com proteínas do leite de vaca e passa a produzir anticorpos e substâncias inflamatórias contra estas, mas ao mesmo tempo acaba por agredir também o próprio organismo, gerando reações alérgicas que vão desde urticária, sangramento digestivo até quadros dramáticos de crise asmática, edema de glote, insuficiência respiratória e choque anafilático. O tratamento, nestes casos, é evitar totalmente o contato com estas proteínas e utilizar formulações específicas para alérgicos.
Não custa lembrar que o risco de desenvolver APLV é maior em bebês que consomem leite de vaca antes dos 6 meses de vida. Nesta fase, recomenda-se somente leite materno ou fórmulas especialmente preparadas para esta faixa etária.
Outro exemplo é o da Intolerância à Lactose (IL), que é um problema muito mais frequente do que APLV, porém mais brando. Cerca de 40% da população brasileira e 2/3 da população mundial tem algum grau de IL. Neste caso, há uma deficiência na produção de uma enzima digestiva chamada lactase, que é responsável por quebrar a lactose em moléculas de açúcares menores e mais facilmente absorvidas pelo intestino. Desta forma, a lactose acaba por não ser digerida adequadamente e passa a ser mais utilizada por bactérias fermentadoras do intestino.
Por conta disto, tanto pela permanência da lactose no intestino quanto pela liberação de gás carbônico pelo processo de fermentação bacteriana, desenvolve-se o quadro clínico típico da IL, com dor em cólica e estufamento abdominal, flatulência, diarreia e má absorção do conteúdo lácteo em maior ou menor grau, a depender do nível de deficiência de lactase. O tratamento consiste em utilizar leite livre de lactose (ou que já contenham a enzima lactase em sua formulação) ou derivados que contenham uma menor quantidade de lactose, como queijos não frescos (ex; parmesão, cheddar, brie, etc) e iogurte, que durante sua produção, perde cerca de 25% a 50% de lactose pelo processo de fermentação bacteriana. Outra opção é o uso de enzimas digestivas para lactose (em sachês) no momento em que for consumir algum laticínio.
Entretanto, não existe qualquer embasamento científico em afirmar que o consumo de lactose aumente o risco de ganho de peso. É óbvio que, por se tratar de um açúcar, o consumo de grandes quantidades pode levar a um aumento no aporte calórico, mas se consumido dentro dos limites recomendados para leite e derivados, não haverá maiores problemas.
E quais os benefícios do consumo de leite e derivados?
Sem nenhuma dúvida, os laticínios são a principais fontes de cálcio de nossa dieta. Há outras, como os vegetais de folhas escuras e frutas secas, mas em um percentual menor. Seu consumo é importante em diversas fases da vida; na infância e na adolescência é fundamental para o crescimento e ganho de massa óssea e desenvolvimento dentário; nos adultos e idosos para a manutenção da densidade do esqueleto. A deficiência de cálcio está associada, por exemplo, ao maior risco de osteoporose e fraturas.
Leite e derivados não são apenas importantes como fontes de cálcio, eles fornecem proteínas, vitaminas e energia e sua exclusão da dieta não é recomendada por qualquer associação médica ou pelas principais autoridades no assunto, sob o risco de induzir carências nutricionais, a menos que seja feita sob supervisão médica e nutricional e somente nos casos em que seu consumo deve ser evitado, como na APLV.
Além disto, sabemos hoje que o consumo regular de proteínas aumenta a saciedade e favorece programas de reeducação alimentar visando perda de peso. Discute-se hoje que o aumento no conteúdo de proteínas no café-da-manhã auxiliaria na diminuição de ingesta calórica ao longo do dia, e aí estaria incluído como fonte o leite e seus derivados.
Um estudo sueco de 2014 mostrou que o consumo regular de laticínios gordurosos diminuiu o risco de desenvolvimento de diabetes tipo II. Essa informação tem grande impacto, entretanto, deve-se atentar aos níveis de colesterol antes de se adotar como rotina o consumo de laticínios com maior teor de gordura.
E quanto devemos consumir de leite e derivados?
O consumo preconizado de leite é, em média, de 2 a 4 copos ao dia. Apesar do estudo sueco preconizar o uso de laticínios gordurosos, a recomendação oficial é de dar preferência para os desnatados.
Com relação as necessidades de cálcio na dieta, leite e derivados estão entre as principais fontes deste elemento e é bastante difícil atingirmos nossas metas de ingestão diária de cálcio sem consumirmos estas fontes. A tabela 1 mostra as recomendações conforme diferentes faixas etárias e a tabela 2 o conteúdo de cálcio nos alimentos:
Idade | Cálcio (mg) |
0-6 meses | 200 |
6-12 meses | 260 |
1-3 anos | 700 |
4-8 anos | 1000 |
9-18 anos | 1300 |
19-50 anos | 1000 |
51-70 anos
Mulheres Homens |
1200 1000 |
>70 anos | 1200 |
Tabela 1 – Necessidade de ingesta de cálcio conforme cada faixa etária
Alimento | Quantidade | Cálcio (mg) |
Leite integral | 236 ml | 278 |
Leite semidesnatado | 236 ml | 283 |
Leite desnatado | 236 ml | 288 |
Leite enriquecido com cálcio | 200 ml | 500 |
Iogurte desnatado | 170 g | 211 |
Queijo mussarela | 28g | 101 |
Sorvete | 75g | 75 |
Brócolis | 112g | 45 |
Laranja | 160g | 75 |
Sardinha c/ espinha | 100g | 500 |
Figo | 220g | 506 |
Pão | 50g | 88 |
Tabela 2 – Conteúdo de cálcio nos alimentos
Reparem algo interessante: a quantidade de cálcio entre os diferentes tipos de leite é bastante semelhante, inclusive com uma quantidade ligeiramente superior nos desnatados.
E há outras fontes ricas em cálcio, como o figo e a sardinha enlatada com espinha. Lembrando que aqui estamos tratando apenas do conteúdo de cálcio, não de outras propriedades nutricionais do leite e derivados que estes alimentos não possuem.
Vamos dar um exemplo prático: uma mulher com 55 anos de idade, e que provavelmente já teve a menopausa, e portanto, apresenta maior risco de evoluir com perda óssea e osteoporose, necessita consumir cerca de 1200 mg de cálcio ao dia. Deveria consumir cerca de 3 copos médios de leite (ex: 1 copo no café da manhã, lanche da tarde e na ceia), 2 porções de brócolis e vegetais de folhas escuras (ex: no almoço e no jantar) escuras e 1 pão com uma fatia de mussarela (ex: no café da manhã) ao dia, para se atingir as necessidades de cálcio na dieta. Ou 2 copos médios de leite enriquecido com cálcio e 2 porções de brócolis e vegetais de folhas escuras.
Nem sempre é possível alcançar a meta de ingesta de cálcio na dieta. Nestes casos, utilizam-se suplementos de cálcio em pó ou comprimidos. Vale destacar que o cálcio alimentar, na maioria das vezes, apresenta melhor absorção e disponibilidade ao organismo se comparado aos suplementos e, portanto, devemos sempre incentivar o consumo preferencial de alimentos ricos em cálcio.
Concluímos que salvo exceções, dispensar leite e derivados de nossa dieta não parece ser uma boa idéia. Eles devem continuar a fazer parte de um plano alimentar saudável e em todas as fases da vida. Beba leite!
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